Oi, eu sou o Diogo Souza

Sou escritor e jornalista, autor dos livros Novo Rumo, Encontro com o Cara do Espelho, Sobrevivendo a um Relacionamento Abusivo e O Amor não é para Covardes (em reedição).

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(Cara do Espelho #5) Ainda Estou Aqui: os nós na garganta e a iluminação pela arte

 Quando comecei a monitorar sessões extras de “Ainda Estou Aqui” nos cinemas da cidade, não imaginei que findaria este dia tomado por um sentimento tão forte após assistir ao filme de Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres. Minha curiosidade em relação ao filme começou no momento em que surgiram as primeiras notícias de exibições em festivais internacionais, me recordo da emoção ao ler as notícias da ovação longa no Festival de Veneza. Mas disso a sair de casa e ir ao cinema envolvia romper alguns padrões e rotinas. Tanto que o impulso de assistir antes da chegada ao streaming só veio depois da emoção de ver Fernanda Torres ser totalmente premiada no Globo de Ouro.





Creio que a relação de muitas pessoas com o filme parte de um ponto em comum: Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva. Minha história com esse livro se deu em 2006, quando tinha cerca de 12 anos e estudava na sexta-série de um colégio estadual no interior de Sergipe. Aquele foi o primeiro livro “de gente grande” que li na vida. Por algum motivo, que até hoje desconheço, a professora de português e redação — cujo nome composto não me recordo por completo, mas lembro que terminava em Hélia — recomendou a leitura. Não era nenhuma atividade, nada de resumo ou resenha, ela apenas chegou na sala e me entregou o livro da biblioteca da escola dizendo que achava que eu ia gostar. E ela não se enganou.




Se me perguntarem neste instante detalhes da história, do acidente, da ditadura, da própria mãe do Marcelo Paiva, eu confesso que poderia dar respostas embaralhadas e pouco confiáveis. Embora não me recorde a riqueza de detalhes daquela história, guardo em mim até hoje as boas lembranças e as emoções que a leitura despertou em mim. O livro se tornou uma companhia, um amigo. Foi transformador em tantos níveis: uma abertura de um olhar de quem tentava descobrir o mundo no encontro da infância com a adolescência, que se encaram e se despedem uma da outra sutilmente. “Feliz Ano Velho", carregando com leveza todo o peso por trás daquelas histórias, foi como um renascimento — ou, arrisco dizer, foi o começo do meu verdadeiro nascer para a vida.




Cerca de 20 anos me separam daquele Diogo e ainda sou grato à professora Hélia por aquela indicação de leitura tão improvável, mas que promoveu uma das primeiras transformações na minha vida. Ao gesto dela, à arte de Marcelo Rubens Paiva e a tantos outros professores ao longo de minha vida, atribuo meu caminho para a escrita, por consequência, ao jornalismo e a tudo que me ocorreu ainda ocorre.




Dito tudo isso, chegamos ao momento que finalmente decidi ir ao cinema. Antes disso, eu estava decidido a esperar entrar no streaming. Porém, cada vídeo e cada entrevista de Fernanda Torres sobre o Globo de Ouro despertaram em mim o senso de urgência de quem acha que está ficando fora de algo. Convenci meu marido, compramos os ingressos e ficamos petrificados na sala de cinema do início ao fim do filme.




Ainda Estou Aqui é um filme lindo. Não escrevo isso com olhar técnico de um crítico, afinal assisto e leio quase tudo com olhos deslumbrados, mergulhando na realidade que foi cuidadosamente criada por alguém para gerar sentido. O contexto da ditadura militar no Brasil é de um peso imenso, presente tanto sorrateira como descaradamente. A ameaça e os ataques à liberdade são mostrados de maneira sutil e contida, mas estão ali presentes, quase palpáveis, ainda que muitas vezes invisíveis. A narrativa é conduzida de forma tocante, mas brutalmente real pela força da carga biográfica.




A sensação que me tomou foi a de um engasgo na garganta. Daqueles nós que nem um choro longo e estridente conseguiria desatar. Eunice silenciava dentro de casa para proteger seus filhos de uma verdade tão dolorosa e perigosa, enquanto nós, espectadores, sentimos o peso de suas dores e inimagináveis angústias. Era como se aquele nó na garganta – causado por um sofrimento e uma ameaça tão inomináveis – fosse também o nosso. Um gosto amargo. Uma dor emocional, física, social e política.




É incômodo sentir a presença de uma ameaça real à liberdade de expressão e pensamento, pautas tão deturpadas na atualidade. As ameaças e concessões a discursos extremistas trazem a tona o fétido cheiro de ódio, de mentira e da manipulação que, de forma assustadoramente atemporal, insistem em nos rondar. "Ainda Estou aqui” vem como uma lembrança de que é necessário — e cada vez mais urgente — expor essas realidades, conhecer, combater o negacionismo e revisionismo histórico. As pessoas precisam voltar a sentir vergonha de agir pelo mal e para o mal.




Meu agradecimento profundo a Walter Salles, Fernanda Torres, Marcelo Rubens Paiva e todos os envolvidos nesta obra. Assim como agradeço a prof. Hélia por ser alicerce e me dar meios para entender e me colocar no mundo. Sem dúvidas, é um ciclo de experiências transformadoras promovidas pela arte, que iluminam a visão e trazem força para seguir em frente.




Diogo Souza, em 10 de janeiro de 2025

Diário de Bordo

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