A tarefa de escrever páginas livres consiste em sentar-se diante de um papel, caderno ou computador e escrever cadeias de ideias em forma livre. Uma coisa que puxa a outra até que um grande mosaico revele camadas e mais camadas daquilo que guardamos em nós mesmos. Esse fluxo tem sido como um resgate de partes de mim que acreditei não existirem mais.
Para qual direção? Em qual velocidade? Isso eu não sei, mas voltei a ter a percepção sobre a existência de vida em meu mundo interior e nos mundos ao meu redor.
E um marco temporal desta fase veio do clichê de arrumar o guarda-roupa quando é preciso por a vida em ordem. Mudar os móveis de lugar para promover alguma mudança na vida. Era preciso começar por algum lugar.
E me dediquei a pequenas tarefas como essa, imbuído por uma reflexão que ouvi no podcast Cartas de um Terapeuta (ep. 76), no qual o psicanalista Alexandre Coimbra Amaral fala sobre rigidez. E, dentre tantas ideias e reflexões que aquele episódio me trouxe, fui atingido em cheio pela percepção de que é um pensamento rígido achar que só podemos fazer uma única coisa ou que nossa dedicação precisa estar centrada exclusivamente a uma tarefa, missão, grupos ou formas de pensar.
Como eu nunca havia pensando sobre isso antes? Essa forma de pensar tão linear me persegue desde que me entendo por gente. Quantas vezes me vejo dizendo: “ah, não vou fazer tal projeto agora, porque estou ocupado demais, cansado demais, não tenho tempo”? Então o tempo passa e nem estou desocupado, nem descansado, tampouco tenho o tempo de volta.
Comentei a respeito dessa descoberta com meu psicólogo e refleti sobre o quanto essa rigidez secou minha ousadia, minha vontade de ir além, podou meu senso criativo, silenciou e guardou na gaveta meu eu artista. Nessa busca por respostas, percebi que esse modo de sentir e encarar esteve agravado em fases de luzes apagadas dentro da casa da minha alma. Mas que passaram. A vida continuou, apesar de tudo.
O fato é que, ao me sentir em reticências, o que realmente sentia era que minha mente finalmente havia alcançado o passo do tempo e se colocado no presente. De maneira aleatória (ou algorítmica), assisti a um vídeo de uma moça compartilhando sua experiência pós depressiva ao dizer que era como se o tempo tivesse passado devagar para ela, como se nada acontecesse, mas a vida simplesmente ao redor continuasse. E, ao sentir a melhora, ela olha para trás e parece existir um borrão nesse período de tempo.
Era isso que sentia em ocasiões semelhantes. Exatamente essa sensação de que eu estava em câmera lenta, observando tudo acontecer ao mesmo tempo no meu entorno. Sempre com a necessidade de um grande esforço para tentar acompanhar, inutilmente, o implacável avançar dos ponteiros do relógio.
Passos e compassos ajustados, sinto que, após as reticências, estou escrevendo uma página nova. Puxando novos retalhos para, como disse Alexandre em seu Cartas de um Terapeuta, costurar a colcha de retalhos de minha vida.
Que sensação interessante é a de se sentir em movimento. Ainda que de forma prática e material não pareça nada, há em meu rosto a sensação refrescante do vento de quem, pedalando feliz, abre os braços em agradecimento aos céus por mais uma oportunidade de recomeço. De renascimento.
Link do podcast: https://bit.ly/4bMrodh